Carta Escrita II
Não sei escrever cartas...
De facto nunca soube escrever nada, limitei-me a enganar a verdade com palavras e na composição estranha do desenho das letras descobria por baixo da mentira, para lá da ilusão uma forma de diamante, embrutecido, pressionado nas profundezas de um solo árido, algo que inominável impulsionava o gesto de redesenhar as letras novamente.
Repito, no entanto, nunca soube escrever!
Quando era pequeno e tinha as mãos pequenas e os olhos pequenos e o mundo pequeno cabia nas minhas mãos pequenas, nos meus olhos pequenos tudo me parecia demasiado grande para os meus desejos, de tão pequeno - julgo agora - que tudo era e tão pequeno que era eu, que podendo desejar nada desejava. Agora que cresci, e as minhas mãos palpaveis se tornaram grandes e, o meu olhar maior se fez e, o mundo imenso escoa pelas minhas mãos - estes dedos grandes abertos - não possuo desejo maior que este de não ter mais desejos...
É que nada curva mais o homem que o ter desejos e fazer-se de sonhos.
Sei-o e sei que sabê-lo é já ter uma âncora no pescoço e as asas agarradas a meio do voo sobre a planicie. Porque esse desejo de não ter mais desejos, de dormir sem sonhos é a maior castração da humanidade.
Por isso hoje, que admito tão abertamente ter iludido, ter enganado verdades, não saber escrever e escrevendo esta carta... tão contraditorio hoje como sempre, entrego-me nos braços desses desejos menores, dos sonhos inatingiveis e infinitos que devia ter tido quando tinha as mãos pequenas, agora que percebo nas minhas mãos grandes a eternidade do fim dos dias...
30 de Novembro, 05
Carta da Maternidade
Behind Blue Eyes#, de Claudio Marcio Lopes (olhares.com)
Meu filho, tu que chegas andando e falando...
Por quem eu não esperei nove meses, mas a vida inteira... Quem eu amei muito antes de teres nascido...
Tu que não és carne da minha carne nem sangue do meu sangue, mas parte do meu ser, ser do meu ser, desde sempre... Tu que chegas como a luminosidade por entre a escuridão ou o caminho na solidão do deserto e como de água se tratasse ofereces-me o viver...
Tu que não és meu filho de facto - dizem - mas de coração, de amor, de alma, de algo indistinto, circunflexo, convexo, incontornavel, que trazes nos olhos a minha esperança e este meu olhar novo de criança pequena, tão pequena quanto os pequenos passos com que vens caminhando, com que toda a vida caminhaste na minha frente, com o poder de me devolveres este amor por mim e pela minha vida, porque ela já não é minha mas tua, tua e minha...
Tu que és meu filho e me dizes no silencio essas palavras que não se ouvem e sentem apenas...
Vens sorrindo da dor, para repor em mim esse passado que necessito, dar-me um mundo novo onde tudo se possa corrigir e devolves em esperança e promessas tudo isto que te dou e é tão pouco...
Meu filho - que dizem não seres, que errados estão por pouco saberem - vem devagarinho ao meu encontro, como velhos conhecidos que somos, trazendo contigo a velha palavra, inegavel: maternidade... mesmo que pareça que fui eu quem te procurou e encontrou e salvou.
Meu filho, tu que foste sempre e eternamente meu filho... ainda que demores a chegar... ainda que não chegues...
29 de Novembro, 05
A carta que não te enviei...
Caso tenhas saudades de mim, olha as estrelas…
Lembra-te do meu sorriso. Olha o sol, vê nele o brilho do meu olhar, quando te via.
Por fim, quando vires o pôr-do-sol, lembra-te da despedida que não tivemos!
Se este pôr-do-sol vier acompanhado de uma chuva leve… lembra-te então das minhas lágrimas num dia de chuva, que lavaram a minha alma e levaram um amor, sincero e puro.
Quando vires nascer este mesmo sol, e um novo dia começar, lembra-te também, que tudo que renasce, vem com mais força…
Se algum dia tiveres vontade de chorar, lembra-te das minhas lágrimas, da minha mágoa e do meu imenso amor.
Pensamentos confusos sim, vão surgir!
Saudades, também!
Porque elas não são presente; mas são a prova que fomos felizes e que foi realmente lindo tudo o que vivemos e tivemos.
Então sorri… e lembra-te que a nossa história ficou escrita nos nossos corações…
E quando as lembranças resistirem e se recusarem em ir… vê nascer este pôr-do-sol, imagina a beleza que foi o nosso amor.
Lembra-te da nossa história…
E sorri!
ás palavras que me fogem
a ti, que não entendes o meu sentir...
Sempre me soube estranho. Até estas palavras que se soltam quase sozinhas as sinto estranhas, porque já ouvidas mil vezes em formas várias de sombras. Talvez seja apenas cansaço, talvez seja um quase nada, mas se há palavra que me irrita o Eu e o ser é essa mesmo…"
TALVEZ". Gosto das letras do "
QUASE", por que tem caminho. "
TALVEZ", perde-se no querer e no horizonte. Dias, seguidos a dias, fui escrevendo com o sentir. Sempre com o sentir. Mas hoje, germinou em mim uma negritude inexplicável, por isso não a tento, nem relato. É um quase querer ficar por aqui, como quem corta a dor, como quem fecha uma porta e segue sem olhar o horizonte que se esconde por detrás da sombra-que-se-adianta-nos-passos. Vou por isso ficar por aqui, sem mais letras. Fico com o sonho. O meu. Egoisticamente meu, de um dia me ter deixado enamorar pelas palavras. Talvez esteja cansado, mas vagabundo que sou, vou por aí sem direcção, vou ouvir e ver o existir… Esse mesmo, esse Existir mágico, que tem uma continuidade que nos serena, em que tudo continua, diferente…TALVEZ, mas continua. Sempre. Por isso sorrio mesmo com a dor do fugir. Porque na verdade Fujo, não de mim, mas de um Eu que se envolve no sentir quase cego, quase autista e que flúi em palavras que tomam vida em diabruras que não sei. Dias, seguido de dias… é essa a realidade, é essa a cor com que sonhamos um dia, viver um dia único de cores únicas, exclusivas do sonho que procuramos no EU. Todos os sonhos são diferentes, porque esse instante tem a semente de cada um. Não vou dar nome a esse instante, porque ainda o não sei nem senti, por isso vagabundo-ME, por isso vou por aí. Desta, vez outra,…sem palavras…Só…com o VER! Um abraço
Tão breve como um momento...
Lamento que seja assim...
Lamento este silêncio instalado, alojado nos gritos, nesta falta de comunicação... lamento esta falha inerte, inamovível no diálogo que por nascer é um feto cadáver entre nós.
Hoje saído do nada resolvi escrever-te, escrever o quanto lamento já não saber dizer desculpa-me, nem estás desculpada. Já não nos sabemos perdoar nem temos vontade.
Foi sem intenção, um momento apenas, mas peguei na caneta, olhei a folha em branco à minha frente, e disto tudo que fomos nós saiu-me apenas essa palavra, lamento, molhada de lágrimas que cobriram a folha, mais que a tinta, de um sentimento que chega ao fim...
Tão breve como um momento...
tão vulnerável um amor
Não sei escrever cartas. Mas encontrei-as. Amarelecidas pelo esquecimento, ressequidas de afectos, desdobrando-se em linhas pautadas, silenciosas. A melodia desaparecera, como desapareceram as palavras escondidas talvez em algum recanto da alma. Não lembro os destinatários. Apenas rostos descoloridos, sem memória.
E à beira das palavras, destas que recolho nos meus dedos, tento reconstruir o que deixei abandonado.
Ao mui galante senhor de Marrriálva
Meu Marialva donairoso,
como são belos vossos fins:
esse vosso falar amoroso,
os vossos galantes latins.
Escrevei, senhor, enfim
muitas cantigas de amores,
que essas me fazem a mim,
abanar-me com calores.
Tanto amor vosso me espanta!
(Carente era a vossa prima)
Eu sei que não é garganta,
É só uma questão de rima.
Não me queixo, vós sabeis
De uma qualquer maleita,
Que meu coração derreteis
E já tendes a cama feita.
Que isso a mim me faz gosto.
Continuai, senhor, a rimar,
O meu coração está posto
Para quem o sabe amar.
Mon Dieu! Mon Marrrrrialvá
Pois continuai-me a ortografar
Dessas belas cantigas, voilà!
Que cá me quedo p’rás olhar.
E aqui vos fico a aguardar
Se tanto há p’ra escrever!
Nunca me façais rabiscar
uma de escárnio e mal dizer.
Com uma vénia me vou
E este meu olhar de pejo,
E por aqui também vos dou
Um grandessíssimo beijo.
Minha bela senhora,
Eu, bela dona
se a soubera assim
tão carente de palavras minhas
já houvera escrito
cantar d’amor.
Senhora que sois tão formosa
lhe escrevo esta carta
jamais pra enganar
em tão grave dia
quisera eu só sonhar.
Senhora, vejo-vos queixar
mas eu vos amo tanto
que em meu coração
não cabe tamanha dor
de vos sentir assim mal de amor.
Colocada na caixa postal por:
Marialva
Escreve...
Escreve-me, Amor, que eu não sei
Há quanto tempo já meu coração
Parou, gasto naquilo que te dei,
E nessas noites passadas em vão.
Escreve, Amor, uma palavra tua:
Saudade, ternura, carinho, enfim!
Volta a fazer-me sentir pura e nua,
Abraça-me em palavras só a mim.
E ,Amor, ainda que seja só a brisa
Quatro letras te peço, em carta lisa
Que me engana e que me faz sonhar.
Renova esse poema que era o nosso,
Esse que já esqueci, pois eu não posso
Perder-te no presente do verbo amar.
MariaMar
(em versão espanca-me)
(aldra!)
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Escreve-me, pá, que eu ando fartinha
De esperar aqui umas merdas tuas,
E sabes, já me dano eu todinha
Porque sei que tu andas é de luas.
Escreve, porra, que não tenho tempo
Para aturar gajos com desatenção
E que só escrevem se o “vento”
Lhes dá na real gana e é de feição.
Ou me escreves uma carta e agora
Ou de mim vais é levar o fora,
Que eu mando-te é apanhar letras
Nesse sitio que desde já te arda,
Porque carta que demasiado tarda
ou sai granda bosta ou são mesmo tretas!
MariaMar (
em versão pimba)
(tásse bem!)
Carta da insanidade do sonho...
Caro amigo,
Venho falar-te de um homem excepcional...
Pode encontrá-lo amiúde na zona da rua Augusta e da Praça da Figueira, onde tantas conversas tivemos nas esplanadas, e de onde te escrevo esta carta sem remetente.
Esse homem vive, sem vergonha, do que pede e dos recados que faz aos logistas dali, que confiam nele porque de facto é um homem fiável.
Sobre a sua condição diria que se vendeu à miséria a troco de sonhos e artes... Os favores que faz não os cobra ele, apontando, para tal, sempre a sua disponibilidade de tempo - o que não estou certo de que seja inteiramente verdade, pois que escreve, escreve continuamente, como se escrever fosse nele uma doença obsessivo-compulsiva a que não resiste -, contudo é raro o café aqui onde não encontre a bica paga, uma refeição, um pequeno lanche e até mesmo um maço de tabaco. São estes os rendimentos que fazem a sua minimalista contabilidade, apesar de ter enraizado em si um certo pudor em receber ofertas.
Não foi um homem de particular sorte ao que julgo, e sempre soube dar melhor do que soube receber. Ainda que muitas vezes tivesse dado de uma forma embaraçada e desajeitada e ninguem tivesse percebido o valor real. No entanto essas oferendas que agora aceita, luxos que o animam a manter a sanidade mental que aos olhos dos amigos - antigos, devo ressaltar - e familiares parece ter perdido.
É na verdade um homem lucido, ponderado no falar. O que continua a fazer pausadamente de uma forma lenta, um pouco desconcertantemente para a sua pouca idade, vinte e oito anos apenas, sem aparentar um unico dia a mais.
Perante o falar cuidado, o vocabulario variado percebe-se rapidamente que é um homem instruido. Suponho que seja por isso que acontece muitas vezes, durante um primeiro contacto, perguntarem-lhes porque leva aquela forma de vida e que passado teve. A sua resposta é lenta, reflectida, apesar de na verdade ter pensado nela apenas da primeira vez em que lhe colocaram a pergunta. Desde então repete o mesmo, mas como quem sente o mesmo, nunca como quem debita palavras, confessa que foi "algo de turvo que ficou para trás do que sou... E o que faço aqui...? bem... por aqui por aqui faço o que fui e sou - viajo e escrevinho poesia..." Há uma autoridade nas suas palavras que impossiblita o continuar do assunto.
Apesar disto ainda no outro dia alguem perspicaz ou meramente perdido na resposta perguntou-lhe "como assim? mas por onde viajas tu?!". Ele sorriu - tem os dentes amarelados pelo tabaco, apesar de manter intacta a sua higiende pessoal - entregou ao homem mais baixo de aspecto tenso e pesado, três ou quatro folhas manuscritas com poemas, desconcertando-o.
Enquanto o homem passava os olhos atrapalhado pelo q tinha em mão e sem lhe dar tempo para recompôr-se, murmurou levemente "por onde qualquer escrevinhador de poemas viaja: por dentro de mim... é um mundo fantastico... e... uma viagem que todos podem fazer...", piscou misteriosa e intimamente o olho ao homem num desafio silêncioso e sem mais desapareceu na multidão que, naquela hora de ponta, descia em direcção ao Terreiro do Paço. Ali onde o vinte e cinco de Abril também foi feito.
Ele gosta, por vezes de sentir o passado impresso nas paredes enquanto a brisa se ergue do rio e lhe acaricia o rosto...
Caro amigo, meu pai, conheces bem este episódio de que te falo agora, tão bem quanto eu...
Perdoa a falta de humildade com que refiro esse homem que sou como um ser excepcional... mas sei que se não o disser, senão o repetir exaustivamente tu nunca o farás, e talvez nunca o perceba...
Querias talvez nesse fim de tarde que eu recorda-se a tua posição de respeito, dono de uma construtora a mesma onde trabalhei, certamente demasiado bem pago por ser teu filho, porque um bom engenheiro civil eu nunca fui, nem sei ser...
Queria apenas, caro amigo, queridissimo pai que percebesses que tive de rasgar a mascara, ela que me pesava tanto enquanto eu beirava a loucura, no esforço de a manter sobre o meu rosto.
Despedi-me desse homem que fingi ser e recuperei-me, e junto comigo algo de indizivel, inominável... algo que nem eu sei o que é, mas que permaneceu inolvidável por baixos de todas as mascáras que usei. E resta ainda, intacto, neste homem de que te falo, que digo excepcional, que encontraste falhado um destes dias...
Mas eu quero apenas que percebas que falhado sim, mas também excepcional homem, que ainda te ama e considera o mais caro dos amigos, o mais querido dos pais...
15 de Novembro, de 2005
Carta a uma Amiga...
O Sol acordou brilhando no horizonte. Bateu nos vidros e qual invasor sem intenções, invade-me o aposento com os seus leves fios clareando o negro da escuridão. Os seus reflexos são intensos, dando uma cor difusa que se reflecte nas paredes.
Penso em ti, Amiga. E penso na falta que me fazem as tuas palavras serenas, doces, que muitas vezes me soltaram lágrimas silenciosas. Nelas, esquecia-me de mim, absorvendo a tua dor e esquecendo alguma minha.
O vento atrai tempestades, esse vento da noite, que derruba estrelas, vento que gela por vezes o meu corpo, vento de ira, vento que transforma um pequeno grão de areia, em pedra dura... vento que sempre volta, para lembrar a saudade e avivar a dor...vento que enlouquece a tempestade que se adivinha, nas ondas gigantescas deste mar que é a Vida.
O dia surgiu e tornou o silêncio negro da noite mais claro. O silêncio está sempre presente, ele envolve-nos com a sua melodia, mas é preciso saber escutá-la, tal como os nosso olhos descobrem o arco-íris...
O princípio e o fim do arco-íris é a brisa quente que me devolve a saudade de te "ouvir" aqui... numa canção doce e suave...
Onde quer que estejas, recebe o meu sorriso e o meu abraço
devaneios...
Minha querida Vulcão
Sei que andas mortinha para que te escreva uma carta.
Minha amiga, não quero que te falte nada, o que eu faço para te ver feliz. Mas prepara-te, vai sair disparate! Mas tu que já me conheces sabes que a disparatar é que me sinto bem e que de tristezas já bastam as que bastam. Hoje não é dia para poesia, rimas e afins e quando leres esta logo pela manhã eu estarei a dormir. Ah pois é, amanhã é dia de gazeta, que se lixem as horas da ministra, o que eu quero é que ela viva feliz e que as meta no …Ups, agora acho que me excedi!
Vou mudar o registo desta carta. Ignora o primeiro parágrafo. Faz de conta que não o escrevi. Alguma coisa me diz que a primeira parte irá ser censurada.
Retomemos a dita.
Minha querida amiga, sei que andas feliz. Como ficar indiferente a estados de alma assim? Se pudesse abraçava todos aqueles que amo e desenhava-lhes sorrisos na cara…
Pronto, agora vai escorrer mel.
Ignora este também.
Vou recomeçar.
Oh gaja, pensas que é fácil, depois dum dia de trabalho escrever cartas?
Queres mimos? Olha vai ver a lua! De preferência acompanhada.
Já viste o que me fazes escrever? Lá se vai a minha reputação pelo cano abaixo.
Depois disto alguém me levará a sério? (se antes já era o que era…)
Olha, fica-te pelo abraço bem apertadinho…é sentido, tu sabes!
Por conta,
de tempos idos, plenos de segredos e outros caminhos, te venho dizer a ti que hoje a Lua se espalhou nas ondas numa versão de for ever, realmente quase que para sempre. E um always meu que será assim. Porque te hei-de lembrar.
Por conta dos tempos idos, que se escoam como areias e sedimentam no tempo e deixam gemendo ainda as ondas no areal, vê como há histórias que não são só nossas. Estão escritas em cada voo longínquo de gaivota, em cada pegada sumida, em cada rugir do mar.
Por conta dos tempos idos há um sofá, uma mesa de restaurante, uma cama, uma viagem, um local, um encontro que nos ressuscita para os dias desiguais. Os jogos de memória puxam sempre outras memórias. Mesmo que saltem apenas em palavras dançantes.Vou lembrar-te for ever.
Por conta dos tempos idos, abraço-te com os olhos e deixo que as memórias contem a sua história. Com princípio, meio e fim. E os rodeios. E as evasivas. E cercos. Nas minhas memórias que fazem da memória o jogo.
E por conta dos tempos de hoje te digo que partimos mas não deixamos a memória, mesmo que ela se altere e enfraqueça e seja apenas o que queremos lembrar como em alguns sonhos.
E por conta dos tempos idos, hoje abraço-te com o coração.
E quase iria apostar que eu vi a Lua sorrir matreira…
For ever.
quero que saibas
Queria ser capaz de ter as palavras certas para escrever o que me vai na alma....Mas não as tenho, sinto-me perdida no tempo e no espaço, perdida no meio da gente, no meio de ninguém...
Procuro os meus sonhos, aqueles que a ninguém confesso, procuro encontrar tudo aquilo que perdi e que nunca encontrei. Sinto tudo como ontem, vivo no dia de hoje, preparando o amanhã...
Que me espera depois da noite?
Que segredo me irá revelar o tempo?
Anseio, por uma vida, por um sentido, por amor, por um sonho que já foi realidade....
Perdi-me no tempo...Perdi-me em ti!
Quero voar pelo mundo, quero conhecer o que não conheço, quero amar o que não amo...
Quero encontrar um sentido para a vida...
Quero deixar sair o que me vai na alma...Quero... Quero, ou será que, na realidade, não quero o que quero?
Sei o que procuro, sem saber o que quero...Aspiro o ar que me envolve, que me lembra a ti, agarro-me à fina corrente invisível que ainda nos liga e penso, penso no tempo, no espaço, no ontem, no hoje, no amanhã, penso no momento....
Deste-me tanto, deste-me tão pouco, deste-me o tudo e tiraste-me o nada!Sou tua.Profundamente tua, completamente tua e nada mais que tua, quero ficar contigo...Quero voltar ao passado, quero parar o tempo, o que sinto, o que receio. Quero que leias isto. Que saibas o quanto te amo...O quanto passo as noites em branco, em busca de ti...No frio que congelou a minha alma...Quero que saibas que o tempo não passa, não mexe, não evolui....
Quero que saibas, o quanto significaste, significas e significarás para mim!
Tu és parte de mim! Eu sou parte de ti....Ambos somos o todo!Nunca te esqueças de mim...
Do amor que te dei. Do amor que recebi....
Sê feliz...
deixado na Caixa Postal por MM (Menina Marota)
Escrevo-te menino de
Marracuene, por saudade, coisa estranha este maka de sentir falta de uma terra cor de sangue, que tu pisas em angustia e que eu menino como tu, pisei em alegrias muitas, ao passear-me no rio serpente , também ele, cor de sangue, que aí perto do teu novo bairro, corria barrento. Tenho saudades do velho e indomável Inkomati, das histórias muitas que me contavam de xicuembos ao som de batuques e de ximandjemandes . Esta saudade, estranha para um Tuga que só por ai passou, incomoda-me. Por isso te escrevo para te dizer que dentro de pouco tempo estarei aí. Quero esquecer as alegrias e com elas olhar os teus olhos. Quero que me digas olhos nos meus, o que precisas para sorrir. Quero passear de mão dada contigo e saber que há um futuro, quero olhar o Inkomati contigo e sentir a tua mão presa à minha, com a liberdade de sermos dois que sonham com uma terra que é mais que montes de muchém …
Seremos os dois, formigas, ou apenas colibris. Seremos fazedores de terra, tu e eu de mãos dadas a sorrir. Quero que me ensines os teus sonhos, os teus desenhos, as tuas sombras. Quero perceber como sobrevives na angustia do não existir e caminhar contigo para lá do Limpopo. Quero que me ensines a plantar um Canhoeiro…
Escrevo-te menino de
Mumemo, para que me ajudes a ser mais que angustia e sentir que um dia pude desenhar um sorriso a um menino que corre como os sonhos escondidos , lá por terras d’africa …
Escrevo-te para te dizer que dentro em pouco estarei aí…por ti.
Maka: problema
Xicuembos: feitiços
Ximandjemande: danças
Muchém : formigas
Canhoeiro: àrvore de fruta
Carta Escrita I
Não sei que dia este em que permaneço - dia que certamente passou. Mas revivo constante o sentido de não ter passado eu por ele...
Sinto-me lento, repisando meus proprios passos, e até as passadas cansadas se imobilizam inertes, num olhar único e vago sobre todos estes passados.
Tenho sonhos, tenho fomes e sedes de todas as coisas e seres sonhados. Tenho este dia em mim prolongado, prolongado neste vazio ressentido de mim em que vagueio solitário por entre os meus cansaços.
Não sei se ainda sou homem... sinto que perco humanidades, que as vou deixando para trás de mim, ainda que me recuse a avançar. Por isso escrevo. Escrevo para quem não sabe ler, estas cartas em que me desfaço. Sou apenas um animal, uso as cordas vocais para contar historias a surdos.
Estamos todos surdos e todos cegos, grita voraz esse animal de mim.
Por isso deixo estas cartas. Deixo este estar inutil do meu olhar desenhando letras...
Sobre o que escrevo...? Escrevo sobre o papel, tudo o resto e isso também sou eu, desfaço-me em atomos e ainda nem morri. Desfaço-me em atomos e só assim sei viver, dispersa atmosfera de mim próprio, que me rodeia e sou eu e o universo inteiro...
11 de novembro, 05
Se te pedir a lua...
Coloca nas minhas mãos o brilho iluminado do teu olhar...
Não quero prendas nem grandiosos gestos. Apenas o luminoso brilho. Eu que tanto perdi já para a grandiosidade, peço-te apenas o brilho iluminado desses olhos que sei baços.
E deixa em meus braços esses teus abraços. Apertados, elevados. Abraços de abraços, perfumados, enlaçados, encadeados, enleados. E na minha voz o ruido ténue da serenidade do teu respirar... quando acordada me olhas e abraças e respiras e és!
E não te preocupes, se te pedir a lua, terei então dado-te já dois sois, para que nunca atravesses a escuridão.
Mas não peço nada, amor, que não me possas dar. Apenas a partilha de tudo quanto coloco e deixo...
11 de novembro, de 05
Carta à gerência
Caríssimos
Venho por este meio (já que não tenho outro!) comunicar-vos que a partir deste momento também faço parte desta mansarda (ou que raio é isto, já parece o bairro da outra, uma amiga minha rapariga cheia de surpresas).
Ninguém me convidou mas eu faço-me de convidada. Preciso lá dessas coisas.
Haja alguém que traga alegria a esta casa, coisa mais tétrica, deprimente. Princesas mouras e encantadas, paixões a dicionários, vagabundos do vento, ortegas não sei das quantas mas não há aqui ninguém normalzinho?
Há já algum tempo que venho seguindo o carteiro (há sempre moradas novas, o desgraçado já nem sabe a quantas anda!), rapaz interessante, trinta e poucos anos, muito dentro da validade, alto, espadaúdo, só “colidades”, desde que não abra a boca…onde ia eu? em perseguição ao carteiro e dei comigo em casa alheia.
Com os seus encantos, pensei, muito lá no fundo, talvez para o quintal (mansarda tem quintal?!?) mas um pouco sóbria demais para meu gosto, a necessitar de arejo, pintura nova, janelas abertas e vai daí resolvi dar uma mãozinha, sou rapariga decidida e afoita, não olho a meios desde que atinja os fins.
Estou certa que vão gostar, agradecimentos não espero, venho para ficar!
Quando entrarem não se assustem, estou de molho na banheira e esta no meio da sala.
Casa mais acanhada!
Sem mais assunto de momento (mas é só de momento, porque assunto é coisa que nunca me falta!)
Desta sempre loira e molhada,
a loira da banheira.
(ai que isto vai pegar fogo!)
Carta ao Imaginário
Meu tocante e reverenciado Imaginário:
Há uns tempinhos que ando para te escrever. Vai-se adiando, adiando, porque a vida não são só ilusões e o tempo escasseia em afazeres prioritários. Nem sempre os ventos estão a nosso favor e nem sempre as marés trazem novas garrafas com cartas de amor.
Mas vamos ao que importa:
Meu impressionante e irrepetível Imaginário, ando saturada. De quê, perguntas em piscar de olhos ramalhudos, pouco atentos e sincopados, enquanto as ideias se somem em suspiros de fastio meus.
Dar-te-ei o rol, meu caríssimo, que me causa tamanha (des)animação.
Aqui declaro, por escrito, que me entristecem histórias de magos com alquimias e feiticeiras que se somem nas brumas da noite, de belas infantas de olhos negros e príncipes que chegam em cavalos alados, de fadas com varinhas fingidas e duendes coloridos, de sapos que incham e transformam-se em glossários, mais os super-heróis, cavaleiros, piratas, ogres, gnomos e adivinhos e magas videntes.
Repara, meu ansiado, brotam das gentes lágrimas, sofrimentos e dores. Jorram em catadupa desamores, partidas, raivas, fatalidades e ciúmes. Cinzento andas tu, benquisto Imaginário. Soluções?
Vou ver se encontro por aí o mapa do tesouro, a esfinge e as respostas, a casinha de chocolate, a maçã e o fuso atado à roca, o gato com ou sem botas, o polegarzinho a dançar com a branca de neve de loiras tranças, os três leitões e o capuchinho a avisar os quixotes pendurados em moinhos.
Ai que desejos eu tenho do rouxinol do imperador!
Cantos, hinos, canções, árias, trovas, melodias. Carta de sorrir é urgente.
Talvez, meu dulcíssimo Imaginário, me faças largar as migalhinhas e achar o caminho para casa, enquanto vou cantando as pombinhas da Cat’rina ou o jardim da Celeste repleto de flores.
Com um xi-coração me despeço antes que venha o homem do saco.
Sempre a bulir nas ondas,
Maria ( a das bandas do mar)
Esta carta que, só, te escrevo...
Sentei-me numa cadeira e sobre o mar olhei todas as estrelas. A esplanada do bar pareceu fechar-se a todas as coisas. E de novo surgiste ali, tão nitido e real como naquela despedida atrapalhada do
Nós...
Tinha chegado ali sem perceber que ainda te procurava. Só quando não te vi percebi em mim esse pedaço longinquo que ainda te chamava... Eu gritava
Vem! com a mesma voracidade com que disseste
Adeus...
Pareceu-me de repente demasiado humilhante, ver-me ali, no inicio do Outono ainda de vestido de Verão.
"Ainda está calor...", dirias ausente, certamente sem perceberes que o colocara para ti. Era por ti que me vestia e despia e não pela meteorologia das estações! Há calores mais quentes que o do Sol que os alimenta. Calores que ardem por dentro, constantes! Sim... humilhante, eu sei...
Humilhante, rondar este assunto agora que já nada foste... agora que não regressaste... dizer-te assim, agora, tudo quanto podias ter sido nessa tarde de Outono, em que eu continuava a usar um vestido de Verão e tu tinhas apenas a ausência fisica de ti para me dares, nesse momento de
Nós atrasado.
Tão atrasado que nunca chegou...
3 de Novembro de 2005
Bela princesaVejo no teu rosto outra beleza
O tempo apurou os teus sentidos
Apague-se a sombra de tristeza
Acordem-se desejos esquecidos
Tens a primavera na lembrança
O calor o corpo adormecido
No teu peito renasceu a esperança
A seiva acordou, nada está perdido
Sentes agora um desejo adolescente
No olhar doce, meigo e impaciente
Há outro sol, outro sonho, outra alegria
Para voltar a amar e ser contente
Um sorriso renovado em cada dia
Um amor que no teu peito se anuncia
colocado na caixa postal por
Frog
Pequenina Princesa
Recebi carta em dia escuro, mesmo para vagabundo dos ventos, mas carta é cousa preciosa, trás sentires e afectos e histórias muitas que saltitam nos olhos negros de azeitona de princesa delicada e não há dia escuro que não se ilumine com o seu encantar.
Carta que evoca sonhos, dá vida ao olhar e põe, qual flauta mágica, as letras a dançar , enfileiradas para se acontecerem num
era uma vez uma flor-de-azul-mar que não gostava da sua cor e correu terras e vales, na aventura de descobrir , cor outra, ou um novo sentir, que lhe ordenava em sussurro, seguir com o vento empoleirada, em libélula-saltimbanca por esses caminhos fora. Foi toda sorrisos, toda cantares, andou por aí tempos sem tempo. Viu palhaços a sorrir, a chorar, viu cousas que não entendeu, coisas de dor, outras de amor, cousas difíceis de desenhar, cousas ainda, simples, como memino a cantar, como borboleta a desflorar, ou mãe a abraçar menino quase nada que só queria embalar, viu cores muitas, cores de espantar, cores de sangue, cores de estrela... mas... o que a fez parar, foi mesmo um pirilampo perdido na bruma sem luz para o orientar. Pegou nele e levou-o no seu voar. Quando passaram de rés pelo mar, o pirilampo sorriu e pôs-se a brilhar. Que Cor de maravilhar! disse ela, é essa cor que me procuro no olhar…e foi assim que a nossa flor se vestiu do azul-mar que ela foi procurar. Viveu feliz a nossa flor, nesta história que é só isto, coisa simples de explicar: para encontrar o nosso sentir, é preciso partir e procurar…
as flores...
Caro vagabundo-dos-ventos Imaginação é coisa que não me falta.
Não fora ela e os dias seriam a preto e branco, fotografia três por quatro, coisa antiga.
As flores eram belas e delicadas como o são todas elas.
Fizeram-me lembrar, história de tempos idos também, duma jovem, não sei se era princesa, tão pouco moura.
Nariz arrebitado, sorriso travesso e ousado, cabelos atados com laços de lado e um olhar prenhe de histórias de encantar. Foi princesa, cantora, estrela de cinema, artista de circo e acabou vendendo sonhos doutras histórias que não eram a dela.
Continua a gostar de flores.
Ainda vai à janela.
Uns dias canta, outros é feliz.
Maria (a moura) em versão mais actual
Prestável donzela
Desde já lhe agradeço a atenção que deu ao meu atrevimento.
Começo por lhe agradecer a sugestão do coche, tentada inúmeras vezes sem sucesso, tendo mesmo perdido o alazão que se fez à traquitana qual amante ofendido. Ver a carruagem de fronte foi ultraje que não suportou.
Quanto aos aposentos, espartanos certamente, mas com todos os luxos que um cavalheiro deve oferecer. Nada que envergonhe nem pela qualidade nem pelo exagero.
Até aqui estaria tudo bem, minha destinada, mas se pensais ter em mim cavalheiro deslumbrante, figura agradável e de bom porte, terei de gritar bem alto a minha ofensa; sou feio senhora, tão feio que me recusaram leite, mãe e amas, e assim criado a leite de vaca me fiz homem, rijo, é certo, mas sem fronha que encantasse.
Agradeço-lhe ainda a alusão ao chá que meu estômago nega por nascença, mas tendo experimentado a camomila em tempos idos posso afiançar-lhe, nem tudo o que luz é ouro.
Sem mais assunto, nas suas palavras, fica este seu vassalo agradecido pela esclarecimento e interesse, e sem mais delongas me despeço com o debicar dos meus lábios na sua alva mão, a sem luva, pois a outra nunca a vi!
Ortega e Borbon d’Ugaju
Carta enviada por:
Ugaju
Caso tenhas saudades
Caso tenhas saudades de mim, olha as estrelas…
Lembra-te do meu sorriso.
Olha o sol, vê nele o brilho do meu olhar, quando te via.
Por fim, quando vires o pôr-do-sol, lembra-te da despedida que não tivemos!
Se este pôr-do-sol vier acompanhado de uma chuva leve… lembra-te então das minhas lágrimas num dia de chuva, que lavaram a minha alma, e levaram um amor, sincero e puro.
Quando vires nascer este mesmo sol, e um novo dia começar, lembra-te também, que tudo que renasce, vem com mais força…
Se algum dia tiveres vontade de chorar, lembra-te das minhas lágrimas, da minha mágoa e do meu imenso amor.
Pensamentos confusos sim, vão surgir!
Saudades, também!
Porque elas não são presente; mas são a prova que fomos felizes e que foi realmente lindo tudo o que vivemos e tivemos.
Então sorri… e lembra-te que a nossa história ficou escrita nos nossos corações…
E quando as lembranças resistirem e se recusarem em ir… vê nascer este pôr-do-sol, imagina a beleza que foi o nosso amor.
Lembra-te da nossa história…
E sorri!
enviada para a caixa postal por Menina...a marota
À minha paixão que foi primeira,
...eu era menina-ladina-risonha, de tranças enfiadas nos bolsos da bata da escola, quando me apaixonei.
Foste a minha primeira paixão, sei-o hoje. Há quanto tempo, penso, se tempo se mede em dias e meses e anos e depois em vida.
Vi-te assim, ao longe, gracioso. Nem sei se alguém mais reparou, mas eu só tinha olhos para ti. Estavas por trás de uma janela. Não foi o teu aspecto nem o porte. Não. Foi o teu nome que eu ouvi, soletrei, li, decorei. Tinha-lo colado na pele e eu fiquei cativa. Ficava-te tão bem o teu nome, ainda hoje o sinto.
Adormecia a pensar em ti, acordava a dizer o teu nome baixinho no meu pensamento. Queria tanto ter-te ao pé de mim. Não sei se reparaste alguma vez em mim, não sei se te apercebeste o quanto te tinhas tornado importante.
Um dia ganhei coragem e toquei-te. De leve, com a ansiedade que me ia no coração e me fez tremer e corar. Voltei ainda uma e outra vez. Ficava ali, embevecida, olhando-te, apenas olhando. Por ti, teria cortado as tranças…
Definhei em vontade de te ter junto a mim. Por isso quando me perguntaram que mais queria no mundo, eu baixei os olhos e respondi audaciosa: quero aquele dicionário…
Outras paixões vieram e se foram, mas tu, tu serás sempre a primeira…
Estimada princesa, moura
Mui distinta e bela dama, a distância impedem-me de ofertar por mão própria, ramo de papoilas, flor simples e delicada, por isso preciosa e bela.
Deduzo capacidade de imaginação, de tão mourisca donzela, pelo que sei de certeza minha, que está neste momento a recebe-las, tão frescas como foram por mim desenhadas no sentir, que por aqui em terras mais a norte as cores são de Outonos e papoila é só semente escondida dos frios.
Pena a minha, de não ser príncipe-do-tempo, e não poder marcar certezas,nem horas, nem acasos mas, ouvirá, linda moura, por ventura uma guitarra a cantar, quando eu, por sua janela passar, não em corcel negro, mas branco quase lua.
Serei não cavalheiro, porque eterno fugitivo, mas cavaleiro-vento, que afagará os seus suaves cabelos-negros, mas irei sem morada nem destino, caminho único de vagabundo, doença de alma que nasceu no meu sentir…
Não espero resposta, por puro imerecimento, sorrirei apenas com um sinal, um singelo sinal em como, a mui bela donzela recebeu minhas flores e ouviu as lágrimas da minha guitarra…
Deste que a imagina sempre bela, porque trigueira mourisca, que se passeia à janela,
Seu eterno vassalo,
vagabundo-dos-ventos
Carta a um desconhecido
Estimado senhor
Venho por este meio informá-lo que sou senhora mui distinta.
Pressinto que o senhor também.
Esclarecida a primeira questão, permita-me adiantar que só e exclusivamente através deste modo me poderá contactar.
Caso a sua prosa me impressione e o seu carácter me agrade, passaremos à fase seguinte. Poderá ver-me à janela.
Adianto-lhe que sou senhora mui formosa e delicada. O sol e o vento em demasia poderão fazer-me mal. Terá de estar à hora marcada.
Não falhe um encontro.
Sou senhora mui impaciente e impetuosa. Poderei não o querer ver mais.
Aguardo resposta o mais breve possível.
Desta que ainda não o conhece.
Maria (a moura)
O escrever de quem vive dentro de nós
Para ti, minha vida,
sou a criança que ainda olha o mundo que teimas já não querer ver.
Sou quem salta ao pé-coxinho em jogos de recreio e larga as gargalhadas felizes. Sou quem se lança no baloiço a tentar agarrar as nuvens, por isso vem daí.
Sou quem anda no passeio, um pé em cima e outro em baixo, a calcar monstros imaginários. Sei que volta e meia me agarras, quando embrulhas a toalha no cabelo em turbante de sultões e relembras histórias de fadas e princesas e príncipes. Sou quem te fala de ninfas em águas marinhas, que um dia se transformaram por quererem seguir uma paixão, como lias nos livros debaixo dos cobertores.
Podemos montar o cavalo de pau e seguir à descoberta, que dizes? Sei o quanto gostavas de pegar num balão e largá-lo no infinito. Anda lá! Vem saltar à corda comigo, em companhia perfeita. E temos tantos castelos de areia a fazer, nem que depois venha a onda e os leve.
Queres brincar comigo à apanhada ou às escondidas? Eu sei que tu agora vês a vida como um encaixe de legos, mas podemos fazer de conta um bocadinho.
Em jogo de cabra-cega, vamos fintar o crescer. Vamos comer algodão doce…Olha, vamos contar as estrelas?...
à princesa com diadema de papoilas
pequenita moura
Um dia, em sonhos outros montei cavalo negro-azul e percorri fantasias, num cavalgar de coração. Procurava princesa encantada lá para os lados das terras quentes, de trigo e solidão. Encontrei menina triste, de olhares meigos e sorriso livre, nas margens verdes do Sorraia. Não lhe sei nome de moura, mas era princesa, quase sereia de cabelos negro-azul coroado de diadema de papoilas, . Sentados no dorso do cavalo-sonho, desenhávamos histórias em cada cegonha que voava, nas planuras do tremoço e do arroz. Perdi a minha princesa quando perdi o sonhar. O cavalo, esse continua por aí livre a cavalgar, nos olhos de cada menino guerreiro que constrói castelos no ar.
Continuo com sede, com sede de voar, sentado no cavalo negro-azul. Continuo a pintar papoilas, como se estivesse a afagar os seus cabelos, em noites quentes de luar…