quarta-feira, novembro 30, 2005

Carta Escrita II

Não sei escrever cartas...

De facto nunca soube escrever nada, limitei-me a enganar a verdade com palavras e na composição estranha do desenho das letras descobria por baixo da mentira, para lá da ilusão uma forma de diamante, embrutecido, pressionado nas profundezas de um solo árido, algo que inominável impulsionava o gesto de redesenhar as letras novamente.

Repito, no entanto, nunca soube escrever!

Quando era pequeno e tinha as mãos pequenas e os olhos pequenos e o mundo pequeno cabia nas minhas mãos pequenas, nos meus olhos pequenos tudo me parecia demasiado grande para os meus desejos, de tão pequeno - julgo agora - que tudo era e tão pequeno que era eu, que podendo desejar nada desejava. Agora que cresci, e as minhas mãos palpaveis se tornaram grandes e, o meu olhar maior se fez e, o mundo imenso escoa pelas minhas mãos - estes dedos grandes abertos - não possuo desejo maior que este de não ter mais desejos...

É que nada curva mais o homem que o ter desejos e fazer-se de sonhos.

Sei-o e sei que sabê-lo é já ter uma âncora no pescoço e as asas agarradas a meio do voo sobre a planicie. Porque esse desejo de não ter mais desejos, de dormir sem sonhos é a maior castração da humanidade.

Por isso hoje, que admito tão abertamente ter iludido, ter enganado verdades, não saber escrever e escrevendo esta carta... tão contraditorio hoje como sempre, entrego-me nos braços desses desejos menores, dos sonhos inatingiveis e infinitos que devia ter tido quando tinha as mãos pequenas, agora que percebo nas minhas mãos grandes a eternidade do fim dos dias...


30 de Novembro, 05