Carta Escrita I
Não sei que dia este em que permaneço - dia que certamente passou. Mas revivo constante o sentido de não ter passado eu por ele...
Sinto-me lento, repisando meus proprios passos, e até as passadas cansadas se imobilizam inertes, num olhar único e vago sobre todos estes passados.
Tenho sonhos, tenho fomes e sedes de todas as coisas e seres sonhados. Tenho este dia em mim prolongado, prolongado neste vazio ressentido de mim em que vagueio solitário por entre os meus cansaços.
Não sei se ainda sou homem... sinto que perco humanidades, que as vou deixando para trás de mim, ainda que me recuse a avançar. Por isso escrevo. Escrevo para quem não sabe ler, estas cartas em que me desfaço. Sou apenas um animal, uso as cordas vocais para contar historias a surdos.
Estamos todos surdos e todos cegos, grita voraz esse animal de mim.
Por isso deixo estas cartas. Deixo este estar inutil do meu olhar desenhando letras...
Sobre o que escrevo...? Escrevo sobre o papel, tudo o resto e isso também sou eu, desfaço-me em atomos e ainda nem morri. Desfaço-me em atomos e só assim sei viver, dispersa atmosfera de mim próprio, que me rodeia e sou eu e o universo inteiro...
11 de novembro, 05