antes que chegue o natal, desenho a tua cruz...menino
despido de palavras escrevo.de olhos sem sentido, apenas para libertar um grito que se silencia sem espaço.
não tem espaço, nem voz, este grito que me cresce nas entranhas. é lágrima guardada nos olhos de um menino que não sabia sorrir…nem chorar.
por isso escrevo de raiva, solto de ódios porque a raiva é minha.
inteira.
interna.
minha, de um eu que se atrofia em silêncios, porque SEI mil e muitos meninos desenhados em forma de cruz.
esses,
exactamente esses que já não gritam a dor, porque só a ela conhecem.
a ela.
à cruz.
à indiferença.
têm lágrimas de lama.
sujas.
lágrimas-de-cristo.
todos os dias nascem, mil e muitos meninos-jesus. com cruz.
e eu aqui a festejar os mil e muitos meninos-jesus com a mesma indiferença do homem que desenhou essa, mesma cruz.
sou,
também eu,
filho-do-homem-que-desenha-meninos-de-lágrima-seca ( suja, negra, esquecida, vazia em silêncios, soluços-engasgados-de-torpor).
escrevo desalmado com palavras a fugirem-me dos dedos.
queimam.
as palavras que me nascem nos dedos.
têm cor de sangue.
não há dor maior que a indiferença de desenhar uma cruz em cada olhar de criança que já não sabe a dor, porque simplesmente é o desenho dela própria.
da dor.
de criança.
de homem.
que nasceu abraçado a uma cruz.
a cruz tem forma de homem.
e caminha,
também ela indiferente, embrulhada em natal.
hoje estou assim...destilado em veneno de homem, talvez por me sentir só entre mil e muitos outros homens-sós que se puseram a contar os mil e muitos meninos-jesus que nascem ao acaso nos dias-todos, desembrulhados, sem natal.
desagua -me a raiva em forma de grito surdo ao me sentir homem que se finge homem.
isto não é afinal carta, nem cousa alguma, é um rio de sangue que se acumula no olhar.
é mão de pilatos que se desenha a rezar…