domingo, outubro 30, 2005

Achados e Perdidos

Exmos. Senhores da Secção dos Amigos Achados e Perdidos,

Venho por este meio expor o seguinte:
Há muitos anos, quando ainda não havia computadores, tive um amigo. Uma amizade nascida na adolescência, por acaso, fruto de uma daquelas revistas de jovens onde apareciam endereços e nós escolhíamos nomes à distância. Nunca vi o meu amigo, nunca lhe ouvi a voz, nunca nos quisemos encontrar. Durante dez anos as cartas partiram e chegaram com a frequência possível em esperas e chegadas do carteiro. Recordo e seria capaz de reconhecer ainda a letra direitinha, redonda, marcada por páginas infindáveis de sonhos e esperanças, por oposição à minha, voluntariosa, miudinha, em despique de ideias e temas. Admiro-me hoje como havia tanto para escrever, num agrado mútuo de colocar o nosso eu dentro de um envelope. Rabiscámos nas folhas, semana após semana, anedotas, júbilos, melancolias, progressos, dúvidas e perdas. Mas o corre-corre da vida leva a espaçar os contactos, como os senhores tão bem sabem. Os caminhos separam-se algures e o tempo começa a escassear. Seguimos os destinos e os endereços mudam, ano após ano. Argumentam-me que um amigo assim é para toda a vida e eu sei que é.

Meus senhores, venho por este meio apenas perguntar se nos vossos achados e nos meus perdidos encontraram o meu amigo.

Cordialmente, com toda a minha consideração,