terça-feira, fevereiro 21, 2006

Carta Nocturna III



Estou aqui, de novo... sempre...

Acordo a meio da noite... a esta hora de silêncios e solidões, numa cegueira incessante. Receosa ergo-me, precipito-me, fujo de mim, dos lençois desalinhados, da cama que quente é a prisão do corpo, que fria o carcere do ser. Da prisão que a vida por viver vai tecendo em lentidões várias. Sufoco aqui...

Este reflexo dos candeeiros, dos carros que ocasionais passam na rua não coincide com o marulhar do mar que eu ouço... que talvez só eu ainda ouça, atravessando o ar, trazido numa leve brisa até esta janela, aberta para a escuridão... para o vazio de me encontrar aqui dentro esperando-te do lado de fora.

Estou aqui, como sempre, desde sempre esperando-te...

Na janela aberta ao ar liberto... que não sufoca... que tráz a ilusão da liberdade como polén que estranhissimas arvores soltassem para nos salvar, e o sonho de que o coração ainda pudesse ser esse motor que move as vidas e os encontros...

Espero a tua ausência, espero todos os dias o momento em que, como este, a ausência avassaladora de ti me devolve um pouco de presença... um momento em que ainda sinta, nem que seja este sentir lento de não ter, que incontornavel revela sempre a verdade, compondo o verbo, emendando, de não te ter...

E o mar vem, num ruido nocturno como as coisas doces, é como aquele velho e único amigo, diz: "Vem, repousa a cabeça no meu respirar, solta a tua dor na minha imensidão"... Vem ter comigo, numa companhia silênciosa, um dar de mãos que faz sempre falta...

Aqui da janela fria não o vejo, ouço apenas...

Aqui onde espero a tua ausência, sem mais que esperar, onde não te vejo, nem ouço, sinto-te apenas, o mar é o ruido e as estrelas o brilho desse tempo que vai fugindo, escapando indeterminado neste tempo de espera e ausência...

Perdoa-me, acordei e dei por mim a sentir-te...



Foto:
Will You... de Sweetcharade (olhares.com)



by Ar, 19 de Fevereiro, 06