sexta-feira, dezembro 30, 2005

Sem Mais Deixo-te Esta Carta de Mim


Azul, de João Vasco (1000imagens)



Nasceste hoje e tenho já tanto a dizer-te... Por isso decidi, minha neta, meu amor, fazer breves estas palavras que nunca chegarão para te ensinar tudo quanto não aprendi.

Tu nasceste e eu morro... Porque a vida é assim e Deus, que fica algures neste universo perdido, nem sempre parece correcto e encurtou-me a vida. E de repente fico com esta impressão de que não vivi e errei, e queria poder ver-te crescer para emendar todos os erros.

É verdade que não fui uma mãe atenta, deixei o teu pai crescer sozinho, um menino de calções, tão perdido quanto eu. A vida é confusa a todos meu amor. Mesmo depois de adultos não estamos menos perdidos...

Ocupei-me em milhares de coisas, procurando obter outros milhares de coisas que me circundam agora e perante o telefonema frio desse homem que é meu filho e teu pai, que nos une, anunciando a tua chegada, a unica coisa que queria é o teu amor e se possivel, como quem tendo a lua deseja ainda as estrelas o dele...

Fui tola como nenhum tolo pode ser, fui tola achando que teria tempo, que poderia deixar para depois o tempo de estar com ele, de estar comigo, o tempo passou. O tempo meu amor não se recupera... Mas não é isto que é triste, triste é perceber que mais que o tempo perdemos aquelas que seriam as recordações que fariam o coração quente e cuja ausência o apertam numa inquietação constante de algo que é impossivel de alcançar definitivamente.

Por muito mais que isto, por tudo isto, sem mais que isto, preciso de dizer-te, hoje que nasceste, o quanto te amo, o quanto viajo e vivo esses momentos que nós as duas não teremos, mas que aquecem o meu peito. Não tenho conselhos a dar-te.

A vida vivesse conforme nos surge, é com ela que vamos aprendendo como se vive e no fim da lição pode parecer tarde, mas vem uma paz de finalmente termos descoberto que a sua simplicidade é bela, que são as coisas que vêm sem papel de embrulho, e sem etiqueta de preço que são verdadeiramente importantes e caras.

Meu amor erra o que tiveres de errar, não temas os teus erros mais que os erros dos outros, nem odeies os erros dos outros mais que os teus. O erro é só um caminho, por onde os nossos passos vão alisando a terra, até que o caminho seja confortavel...

Sem mais, minha neta, meu amor, deixo-te esta carta de mim, e o sabor de uma lagrima que teima em cair, de felicidade, esta magnifica felicidade, de saber que chegaste.


by Ar, 30 de Dezembro, 05