Carta Nocturna I
Bebo água... levanto-me, abeiro-me da janela, espreito o silêncio da rua, estes dois andares abaixo de mim... Olho o céu, num incomodo em mim que não reconheço viro-lhe as costas.
Creio que esta noite as estrelas cansam-me...
O meu olhar bate na cama que não me chama... deito-me, viro-me, reviro-me, tapo-me, volto a destapar-me... Estou incerta hoje, não sei de mim, abro os olhos perante a escuridão convencendo-a de que não a temo. Há minha frente a mão vazia que se estende na direcção do candeeiro, sustenho o gesto... levanto-me novamente.
Há o candeeiro da rua, aquele do outro lado, velhinho e ferrugento... por momentos distraio-me.
Não sei de mim...
Abro a janela para que o frio me aqueça a alma. Um vento que vem de longe, uma memória que faz os cabelos esvoaçarem em frente do meu rosto... Queria voar daqui para fora, lançar-me no vento, acalmar esta impaciência, esta inquietação.
Sento-me na cadeira em frente da secretária... Deito ao papel palavras como se cravasse os dentes na tua pele, mansamente, vorazmente, suavemente...
Levanto-me, abandono tudo... O vento faz as cortinas esvoaçarem. A suave luz do candeeiro ferrugento está ali, do outro lado da rua. Permaneço a meio caminho indecisa entre os lençois revirados da cama vazia e as estrelas caóticas no céu.
Não sei de mim esta noite... As estrelas chamam-me o olhar.
Desculpa... dei por mim a amar-te novamente...
by Ar, 15 de Janeiro, 06
Foto
No Guilty, de UGLY (olhares.com)