Olhar...
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Não sei bem quando foi que o meu olhar se abriu…
Apenas sei que havia um caminho: o céu, o mar e eu…
Íamos andando silenciosamente e nascia do ar uma música levezinha, feita do calmo encantamento do vento sobre os campos.
À nossa volta nasciam papoilas sorrindo.
Vinha ter connosco o perfume suave que fugia dos campos escondidos e dentro de mim, deslizava um grande mar de emoção.
Então eu descobri, o sorriso trémulo da papoila, mais leve que música embalada pelo vento…
E quando o sol tombou nos meus olhos cansados, de mansinho senti que em cada adormecer do olhar, há também um poente. Porque no pressentimento da noite, a luz quieta veio descansar no vermelho do entardecer, o brilho fugitivo e doce da tarde, na força pura das árvores solitárias, acompanharam-me na calma do mar que adormeceu no meu coração.
E quando a noite era já profunda, eu peguei na música do vento e no meu sonho e fiz daí um hino comovido ao mistério das estrelas que vieram chorar os seus desejos brandos sobre o mundo e dizer-me da esperança de Viver…
Há no meu olhar sorrisos de ternura…porque a vida é um oceano onde nos encontramos a navegar, porque é…
O sol que nos aquece
A noite bem dormida
A esperança que não morre
A força permitida
A magia que não esquecemos…
…e o sonho que ainda comanda as nossas ilusões…
Carta Nocturna I
Bebo água... levanto-me, abeiro-me da janela, espreito o silêncio da rua, estes dois andares abaixo de mim... Olho o céu, num incomodo em mim que não reconheço viro-lhe as costas.
Creio que esta noite as estrelas cansam-me...
O meu olhar bate na cama que não me chama... deito-me, viro-me, reviro-me, tapo-me, volto a destapar-me... Estou incerta hoje, não sei de mim, abro os olhos perante a escuridão convencendo-a de que não a temo. Há minha frente a mão vazia que se estende na direcção do candeeiro, sustenho o gesto... levanto-me novamente.
Há o candeeiro da rua, aquele do outro lado, velhinho e ferrugento... por momentos distraio-me.
Não sei de mim...
Abro a janela para que o frio me aqueça a alma. Um vento que vem de longe, uma memória que faz os cabelos esvoaçarem em frente do meu rosto... Queria voar daqui para fora, lançar-me no vento, acalmar esta impaciência, esta inquietação.
Sento-me na cadeira em frente da secretária... Deito ao papel palavras como se cravasse os dentes na tua pele, mansamente, vorazmente, suavemente...
Levanto-me, abandono tudo... O vento faz as cortinas esvoaçarem. A suave luz do candeeiro ferrugento está ali, do outro lado da rua. Permaneço a meio caminho indecisa entre os lençois revirados da cama vazia e as estrelas caóticas no céu.
Não sei de mim esta noite... As estrelas chamam-me o olhar.
Desculpa... dei por mim a amar-te novamente...
by Ar, 15 de Janeiro, 06
Foto
No Guilty, de UGLY (olhares.com)
Carta Escrita IV
Não...
Não me repitam as mesmas velhas lições estafadas. Não... Já não quero aprender nada, já não quero ser nada. Vou ficar apenas aqui... Aqui ou ali, onde calhar o corpo pousar-se, inconcreto, fora de mim, de si, de todos...
Não me venham com sonolentas palavras, aquelas sábias palavras que servem apenas para esquecer. Sinto que perco tempo... Aqui ou ali... Em todo o lado, por todo o lado.
Convergente a mim carrego todas as divergências de um ser que se aquietou de repente, e no infimo espaço entre si e o seu EU descobriu que não precisava já de lutar contra os outros, bastava-se...
Travo a batalha derradeira contra mim!
Remexo-me, melhoro-me, armo-me. A cada dia que passa eu sou este momento dissintonizado dos minutos cronologicos dos outros. A cada dia encontro apenas segundos de mim.
Não tenho passado, não tenho futuro, a cada momento esqueço a existência de todos os momentos, até a deste... Como esperam então ensinar-me algo?
Não... Eu sou aquele que não quer aprender! Dizem que cresça, dizem que faça, dizem que aprenda... Pois eu digo a palavra ouvida e repito-a incansavel: NÃO!
Não aos vossos horizontes flácidos. Não aos vossos sonhos quebrados e desorientadamente organizados. Não às vossas palavras fragmentadas no reflexo da mentira.
Não! Mil vezes ouvido, repito-o agora, agora que me querem razoavel, eu que fui sempre razoavel, não, não mais, agora que me querem humano, eu que tive tantas humanidades até perder a humanidade falsa de ser humano, não!
Vou apenas ficar... aqui ou ali... onde o corpo encontrar abrigo e se não o encontrar permanecerei nos segundos deste momento que começo já a esquecer...
Não! Em mim o passado não pesará mais, nem o futuro me arrastará como um condenado pelos Deuses brincalhões do Olimpo. Já não creio em Deuses...
É contra mim que vivo!
by Ar, 12 de Janeiro, 06
post-it # 4
quero dizer-te da melancolia.
enrolei os dias esquecendo-te. esgotei a ternura, não soube onde encontrá-la.
e sem saber, no silêncio das palavras invocava o teu coração.
*foto de katia chausheva
post-it # 3
recorto a cidade em angulosas linhas e coloco-te ao fundo. pousado em perspectiva. definida por sentimentos paralelos dos dois lados da rua. imagino que deves ter passado, marcando os passos no eco da ausência. não te vi. tinha o olhar preso no centro da minha vida onde resguardo o coração. na memória, e porque tudo é apenas memória, o teu rosto não se distinguiu dos outros. é por isso que na geometria dos sentidos os sentimentos paralelos nunca se encontram.*foto de Cartier Bresson
post-it # 2
olho-te de tão longe.
no meu regaço espalho palavras, liberto-as da clausura de mistérios como bagos soltando-se da árvore. espalho-as em pequenas nuvens pairando na distância. à longa noite roubei sons mas nada se ouve. ou talvez apenas queira que o meu silêncio não te desperte.
nesta página onde dançam sombras que sinais ficam depois da mágoa...
*foto de mateuszg
post-it
junto à fina seda da espera, olho os lugares do passado e de novo encontro o jeito de adormecer nos dedos os doces frutos da solidão. as folhas desta página abrem-se à saudade, como gotas de chuva sob o labirinto das palavras tanto a pele absorveu o travo da ternura que o tempo não roubou. talvez tenhas partido e eu toco apenas o sonho no meu corpo. e deito-me, repouso no centro perfumado da minha mágoa. *monalli