são crianças, Senhor
Senhor, Escrevo-te,,, sim, a Ti, para que vejas, para que sintas, para que Te ENVERGONHES!
Pior que a morte, é a morte da alma de uma criança,,, Dessa criança que sorri e brinca com a crueldade de se deixar abraçar pelo ódio e pela indiferença.
Quando o sonho de uma criança se pinta nos olhos da morte, há qualquer cousa de irreal, qualquer cousa abjecta, animal, vómito, angustia, dejecto, excremento, podre que fustiga a alma,e nos devasta em temporal...
Que "
cousa" é essa que engendra tão cruel imagem? Que povo é este? Que Deus é este?
Tivesse eu palavras!
Restam-me as do poeta,,, e
resistir
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.
Eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.
Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é Cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.
Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida.
Que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
Pedra filosofal - António Gedeão
talvez não seja...( normal),,,talvez...
Não é normal, Eu sei (porventura, nem eu, o sou…), Dizia, Não é normal escrever cartas, a um cão, Sei-o ( disse-o já), mas hoje percebi que uma memória, é afinal,,, um fantasma, uma presença, um espírito, mesmo que seja a de um cão, ou de uma árvore, ou de coisa qualquer. Esta (presença) que me surgiu (hoje), acompanhou-me (no destempo de me perder no tempo) nos silêncios, das conversas sem fim, Escreveu comigo, páginas inteiras de apontamentos para um manual da serenidade, Ele dizia, e eu escrevia. Tinha linguagem só dele, codificada no brilho de uns olhos que não viam cor. Tinha nome esquisito. Pólo. Pólo não é nome de cão, é nome de Sentido, de lugar com sentido. (Só não lhe sabia qual, eu, porque ele sabia-o sempre).
Recordo dele,,, o fim.
Estranho este recordar, pesaroso de quem se arrasta na vida, esperando sereno na dor, o próximo passo, o ultimo passo,,, o passo do começar, Arrastava-se no existir, só para me fazer companhia, Insistia em não ir, porque o manual era (e é) só um esquisso desarrumado de apontamentos, disperssos...
Hoje apareceu-me, vagaroso, de olhar meigo, no silêncio da noite, Apareceu-me só para me olhar, como se tivesse medo que eu me esquecesse dele, porque para ele,
o esquecimento é que está na origem da morte. Por isso me visita, por isso lhe escrevo cartas. Eu sei ( disse-o já) , mas preciso de o fazer, para não perder o sentir ( sentido?)…
desenho, no silêncio do pó...
Tinha saudades, não sei ao certo se de ti, se da tua presença, Do teu estares aí, De teres ruído e existência. Tinha saudades de te saber . Por isso fui de passos ao teu espaço, e por ali fiquei a sentir os silêncios. Os teus e os meus. Juntos na mesma angustia-de-ausência, Tinha luzes de Natal,,, Ainda ( Imagina o tamanho da ausência e da saudade!). Fiquei a respirar e a desenhar, no pó das luzes, Desenhei um piano em cinzas-fumo, Ao longe, de pretos justos, com colar de garganta, cristal, pintei com os reflexos, uma voz de roucos-azuis, Melodia nossa, De sombras, De noite. Mais ao fundo, em janela (in)visível, um mar de gaivotas. Só uma eras tu, Todas as outras,,, som, Teu.
Saí sem fechar a porta, Não foi preciso. Fechaste-a tu, no leve de um adeus, em beijo de regresso…