quinta-feira, março 16, 2006

Uma Carta de Mar...

Vagas..., de João Radich (olhares.com)


Eu não quero que o mar saiba essas palavras que não ouves e conheces... Nem que o vento transporte como folhas esse emaranhado de sentimentos e pensamentos que é a confusão de existir. Eu não quero que eles conheçam essa existência do que existe entre nós e nem nós descobrimos quando nos olhamos, calados, silenciosos, receosos... dessas palavras, que nem o mar pode ouvir...

E sei que um dia se lamentará (mas quem? qual de nós?) a inexistência do verbo ou do tempo verbal, da palavra fecunda que estéril permaneceu sufocada na garganta de cada um e depois permitiu-se assim o vazio... E sei que prosseguiremos pela estrada fora, tentando convencer-nos de que o vazio é tudo quanto existe... apenas porque... essas palavras que não são para o mar, são nele deitadas, deixadas levar para longe...

Contemplo o mar, sentado na esplanada. Este mar meu que pressinto como se me tivesse visto nascer e eu fosse parte dele... e há minha frente este papel amarrotado, escrito na urgência da solidão do momento diz-me que eu não quero que o mar saiba essas palavras que não ouves e conheces fingindo não conhecer... e sei que é tarde - o mar já as sabe...


by Ar, 16 de Março, 06

segunda-feira, março 13, 2006

carta, a lápis...de carvão

escrevo-te. a ti. que escreves cartas no escuro da noite. de noite. por um nada. escrevo por nada. agarrei no papel e no lápis. podia ser na guitarra e deixar que os dedos ferissem a noite, com um fado não cantado. não chorado. dedilhado na noite. mas calhou-me o lápis. de carvão. apenas porque hoje, é ele o meu companheiro da noite. esboço a vida de noite, como quem desenha a beleza. primeiro, o esboço, depois as linhas, só mais tarde , no amanhecer, as cores…
escrevo-te. a ti. porque só ( tão só, porque foste tu que me entraste na noite). não tenho portas, nem janelas, por isso entraste de leve, como a cor de uma aguarela a percorrer as veias do papel, em suavidades de brisa…
não tenho que te dizer, faz de conta que é guitarra que toca a embalar as estrelas…nem sequer tenho pergunta, ou história para te dar. estou aqui no silêncio de um esboço, a fazer-te companhia, no escuro nocturno da noite. da tua noite. com um papel-guitarra a saltitar no esboço das estrelas. tal como tu, também a lua entrou ao de leve para me segredar as cores dos furturos que se escondem no escuro do amanhã.
por isso aqui estou, a escrever-te. a ti. que desenhas anjos de asas negras, (tão iguais a todos os outros anjos...) para que não façam barulho e assustem os sonhos que (te) habitam na noite que demora a pousar suave, no dormir…

domingo, março 12, 2006

Carta Nocturna IV


Sento-me lenta, desfazendo o olhar na cortina esvoaçante.

O luar entra pela janela aberta aguardando-te, guardando-te... por dentro, onde se fixam as prisões perpetuas...

Acordo insone, insolente perante mim mesma e insisto neste acto desesperado, esperado, de te esperar.

Esperei-te o dia todo. Esperei por ti toda a semana, inteira, vendo-a passar... acabar sem ti.

Esperei o mês que passou e todo o tempo que passou e tu não passaste em frente da janela que te aguarda nem uma só vez, um breve instante, em que o meu olhar pudesse pousar no teu e talvez...

Queria perder esta mania de esperar e guardar dentro... desencostar-me das almofadas... desviar o olhar da cortina... cerrar a janela ao que de mim sai...

Queria um movimento que incapaz nem desejo é, porque não o quero verdadeiramente. Sei apenas que por vezes acordo assim, como se ainda te esperasse e tivesse esse direito...

by Ar, 12 de Março, 06


Foto
All Those Years Waiting for You II, de Angelica